Caderno de Campo #4


"Arqueologia: um património em afirmação."

"Quando Alexandre Herculano percorreu o Norte do país, na segunda metade do século XIX, catalogando documentos nos cartórios dos mosteiros locais, poucos contemporâneos terão compreendido o alcance da sua missão. Num Portugal com níveis de desenvolvimento económico e literacia que o aproximavam mais de uma realidade colonial que da Europa, a preocupação com velhos pergaminhos foi considerada um gasto de recursos absurdo. Mesmo os círculos intelectuais se inquietavam pouco com o estado miserável de conservação desses arquivos: os historiadores da época interessavam-se por batalhas e epopeias ou casamentos e intrigas, consoante a moda de cada corte. Hoje, mais de um século volvido, será indiscutível a importância para a memória colectiva torrejana de documentos como o foral de Torres Novas de 1190 ou o Tombo das Capelas, elaborado nos finais da Idade Média.
São os vestígios arqueológicos que assumem agora o lugar dos «papéis» de Herculano. Desde 1997 que a legislação nacional e órgãos estatais – com a criação do Instituto Português de Arqueologia – preconizam a compatibilização entre a protecção desse património e as operações urbanísticas e outras intervenções territoriais. No entanto, mantêm-se ainda dominante uma perspectiva da Arqueologia como uma actividade desprovida de interesse público, quase uma excentricidade do poder central, que é preciso aplacar despendendo o mínimo de recursos possível. Ou mesmo um obstáculo ao “verdadeiro” desenvolvimento, aquele que se faz com obra e com betão.
E assim se menoriza uma das potencialidades da arqueologia: a recuperação do quotidiano das cidades passadas, abrindo perspectivas de conhecimento para além do documento escrito. Com a adequada gestão deste património seria possível interrogar, de forma fundamentada, as origens da cidade, os ritmos da sua expansão, as relações comerciais dos seus habitantes e tantos outros eixos de investigação. Por outro lado, num momento em que os fluxos turísticos parecem compensar as fragilidades da nossa economia periférica, o património arqueológico pode constituir-se como elemento fundamental quer na criação de espaços que convidem o visitante a demorar-se pela cidade, quer na afirmação da identidade própria de cada lugar. Aquela que é procurada pelo viajante, algo saturado da replicação de oferta turística e dos espaços descaracterizados pela adaptação àquilo que se julga ser um gosto absolutamente padronizado.
A ADPTN assume assim como missão afirmar a arqueologia, numa abordagem contemporânea, como elemento basilar da salvaguarda e valorização patrimonial.

Marco Liberato. Arqueólogo. Bolseiro da FCT."

* O caderno de campo é a ferramenta usada pelos investigadores de diversas áreas do conhecimento (como a biologia, a geologia, a geografia, a sociologia, a literatura, a arquitetura, a antropologia, as belas artes e outras) para anotar as observações das saídas de campo ou reflexões avulsas.


ADPTN | Associação de defesa do património de Torres Novas

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ADPTN

Missão: salvaguarda dos patrimónios; resiliência territorial; produzir conhecimento; suscitar encontros e debates.

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